Nas
voltas que o mundo dá, sucedem-se crises de todo tipo. As pessoas
conhecem ciclos diversos, mudanças condicionadas pela idade, situação
social, opções feitas no correr da vida. A sociedade conhece também suas
etapas e eventuais fases difíceis, como o quadro político e econômico
em que nos encontramos, ampliado pelos inúmeros desafios que expressam
quase um regresso à barbárie, tamanhos são os fatos violentos que passam
diante de nossos olhos a cada dia. A Igreja está mergulhada em nosso
mundo, com todos os seus problemas e é chamada a dar a resposta da fé a
todos eles, superando o medo que podem provocar. Os cristãos são
chamados a serem homens e mulheres de soluções, exercendo a necessária
criatividade, que lhes possibilite ser presença qualificada no meio de
todas as pessoas de boa vontade.
São João descreve, logo
no início do quarto evangelho, uma das visitas de Jesus ao Templo de
Jerusalém (Jo 2, 13-25). O espaço destinado a ser casa de oração tinha
se transformado em comércio, a prática das leis do Antigo Testamento
estava em crise, alguns poucos se faziam donos da religião, a presença
invasiva dos romanos corrompia as relações entre as pessoas e, ao mesmo
tempo, muitas pessoas mantinham viva a esperança da chegada do Messias
prometido. O Templo, que já não era o que foi edificado por Salomão, mas
a segunda construção, depois restaurada por Herodes, o Grande, veio a
ser efetivamente destruído pela invasão romana, alguns anos mais tarde,
restando apenas um espaço sagrado utilizado pelos judeus. Na antiga
esplanada do templo, foram posteriormente erguidas duas Mesquitas,
lugares de culto dos Muçulmanos. E a Jerusalém de hoje, com todos os
conflitos subjacentes à sua organização e governo, abriga judeus,
muçulmanos e cristãos. Muitos sonham, e nós também, com uma convivência
pacífica das três grandes religiões monoteístas. E de lá para cá, por
motivos diversos se destroem templos e monumentos de várias religiões,
como temos acompanhado nos últimos dias. Com os edifícios destruídos,
também fica comprometida a memória histórica da humanidade!
Não era simples o
relacionamento dos judeus com as autoridades romanas e seus prepostos.
São Lucas descreve alguns fatos reveladores: "Chegaram algumas pessoas
trazendo a Jesus notícias a respeito dos galileus que Pilatos tinha
matado, misturando o sangue deles com o dos sacrifícios que ofereciam.
Ele lhes respondeu: Pensais que esses galileus eram mais pecadores do
que qualquer outro galileu, por terem sofrido tal coisa? Digo-vos que
não. Mas se vós não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo. E
aqueles dezoito que morreram quando a torre de Siloé caiu sobre eles?
Pensais que eram mais culpados do que qualquer outro morador de
Jerusalém? Eu vos digo que não. Mas, se não vos converterdes, perecereis
todos do mesmo modo" (Lc 13, 1-5). Jesus anuncia e faz acontecer o
Reino de Deus no meio de uma sociedade conflitiva, com tensões e
revoltas prontas a estourarem a qualquer momento.
Ao Templo de Jerusalém
chega o esperado das nações, como nos descrevem os textos evangélicos.
No entanto, ele vem de forma diferente, certamente decepcionando os
sonhos de confronto e poder de muitos de seus contemporâneos. Sua
presença quer conduzir as pessoas do Templo edificado com tanto esforço
ao novo Templo, o novo lugar que é Ele mesmo, onde acontece o verdadeiro
culto ao Pai do Céu. Jesus não destrói o Templo, antes o respeita
profundamente, com palavras duras e fortes: "Tirai daqui essas coisas.
Não façais da casa de meu Pai um mercado! Os discípulos se recordaram do
que está escrito: O zelo por tua casa me há de devorar" (Jo 2,16-17).
Além das lições que nós cristãos podemos aprender com estes fatos, nasça
um grande respeito pela religião dos outros, sejam quais forem suas
convicções!
Profeticamente, o Senhor
anuncia que o Templo será destruído e reconstruído após três dias, pois
ele falava a respeito do seu corpo. Depois que Jesus ressuscitou dos
mortos, os discípulos se recordaram de que ele tinha dito isso, e creram
na Escritura e na palavra que Jesus havia falado (Cf. Jo 2, 21-22). De
fato, na força de sua Ressurreição gloriosa, a morte veio a ser vencida e
todas as suas manifestações podem ser superadas.
Nós cristãos professamos a
fé no Cristo Morto e Ressuscitado. Com a fé, nossa vida tem uma meta a
ser alcançada, impedindo-nos de sermos afogados pelos acontecimentos
positivos ou negativos. Nosso olhar se volta para a plenitude do amor de
Deus, acendendo continuamente a luz da esperança. Com esta fé, passamos
pelo mundo fazendo o bem, acreditando que é possível restaurar vidas e
superar as muitas dilacerações existentes na sociedade.
Para tanto, somos
chamados a algumas atitudes e gestos. Para nós, a maldade não tem a
última palavra em quem quer que seja. Olhamos para as pessoas e suas
crises pessoais e descobrimos aquela fagulha, para não apagar a chama
que fumega, pois no nome de Jesus as nações podem depositar a esperança
(Cf. Mt 12,15-21; Is 42,1-4). No dia a dia, não desperdiçamos as
oportunidades para tecer novos relacionamentos com as pessoas,
aproveitando os eventuais laços que poderiam impedir a caminhada para
compor redes de fraternidade. As iniciativas de pessoas e grupos em
vista do bem comum encontrarão em nós a disposição para parcerias
inteligentes, nas quais cada um pode dar o que sabe e pode. Onde quer
que encontremos eventuais restos de edificações destruídas, recolheremos
os pedaços para realizar a profecia: "Quando o invocares, o Senhor te
atenderá, e ao clamares, ele responderá: Aqui estou! Se, pois, tirares
do teu meio toda espécie de opressão, o dedo que acusa e a conversa
maligna, se entregares ao faminto o que mais gostarias de comer, matando
a fome de um humilhado, então a tua luz brilhará nas trevas, o teu
escuro será igual ao meio-dia. O Senhor te guiará todos os dias e vai
satisfazer teu apetite, até no meio do deserto. Ele dará a teu corpo
nova vida, e serás um jardim bem irrigado, mina d’água que nunca para de
correr. E a tua gente reconstruirá as ruínas que pareciam eternas,
farás subir os alicerces que atravessaram gerações, serás chamado
reparador de brechas, restaurador de caminhos, para que lá se possa
morar" (Is 58, 9-12).
Se o sonho parece muito
alto, sabemos que nossa fé professa nada menos do que a vitória sobre a
morte! Portanto, a esta altura do caminho quaresmal em direção à Páscoa,
recomecemos a cada dia a tarefa recebida do Senhor, para reconstruir as
eventuais ruínas que encontrarmos.
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